quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Clã das Gralhas

Foi num domingo após o sábado de temporal e muita ventania que a Simone resolveu dar uma volta com a cachorrada pela estrada do sítio. Não passou cinco minutos ela apareceu com dois filhotes de gralha que caíram do ninho no alto de um jacatirão próximo a estrada. Pensamos na possibilidade de devolvê-los ao ninho, pois eram muito jovens para sobreviver no chão e não conseguiam nem parar em pé de tão pequenos e fracos. O acesso até o topo da árvore era muito difícil e o ninho não apresentava mais condições para recebê-los, pois o temporal havia destruído boa parte dele.

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Tentamos improvisar um ninho em um suporte plástico com palha e colocá-los em outra árvore de melhor acesso. Passou o dia inteiro e os pais não apareceram, foi aí então que decidimos intervir no inevitável destino que eles teriam se ficassem no chão, pois no sítio, além dos nossos cachorros, há uma infinidade de predadores (cobras, lagartos e gaviões) que fariam dos filhotes um ótimo almoço. Passei a alimentá-los com uma pasta de ração inicial para pinto sempre com alguma fruta, banana ou mamão. Minhocas e pequenas lagartas e baratinhas também faziam parte do cardápio.

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A cada dia que passava elas ficavam mais fortes e com mais penas. Toda tarde elas eram soltas para as primeiras aulas de vôo e obtenção de alimentos na natureza como frutas nativas e pequenos insetos, mas sempre com minha constante observação, pois os cachorros também estavam aprendendo a conviver com estes novos amigos. Nossa intenção era alimentá-las até que ficassem fortes e soubessem voar e depois deixá-las para ir embora e cumprir seu destino natural.

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Mas as coisas não aconteceram exatamente assim. Depois que foram soltas definitivamente, elas resolveram que queriam ficar aqui. Hoje quando saio para fazer qualquer tarefa na rua, sou sempre escoltado por exímios observadores tanto pelo céu quanto pela terra. Não importa onde eu vá elas estão sempre presentes e querendo participar. Se estamos na horta, limpando ou remexendo a terra elas estão sempre “ajudando” comendo pequenos insetos, lagartas e algumas minhocas desafortunadas. Até quando alguma galinha escapa do galinheiro posso sempre contar com a ajuda do Guri, meu cachorro ajudante e os irmãs gralhas que dão rasantes sobre a galinha fujona.

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Mas o mais impressionante foi o dia que eu e a Simone estávamos vendo TV dentro de casa e ouvimos as gralhas emitirem um som diferente do habitual e nossos cães também estavam um pouco tensos, então resolvemos sair e verificar o que estava ocorrendo. Só deu tempo da Simone dar um grito para chamar os cachorros para a garagem. Quando saí percebi as gralhas extremamente irritadas e olhando para um mesmo ponto. Era uma imensa cobra coral, a maior que já presenciei aqui no sítio.

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Sim elas deram o alarme que o território da nossa “matilha ou clã” estava sendo invadido e que a integridade do grupo estava sendo violada. Enquanto escrevia este texto a Simone presenciou as gralhas expulsando uma saracura que teve a petulância de chegar muito próximo a casa. Parece incrível, mas já fazemos parte do bando, onde nós, os cachorros e as gralhas formamos um clã muito especial.

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Já não é a primeira vez que meus amigos arriscam suas próprias vidas para nos defender. Há algum tempo atrás nossa akita pagou um preço bem caro para nos avisar que havia um jararacuçu muito próximo de nós, quando caminhávamos no morro do sítio. Levou uma mordida bem acima do olho, mas foi medicada rapidamente e, apesar de todo o sofrimento, melhorou.

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Adoram ficar em cima do Jeep e ficar observando o movimento na cozinha.

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As costas da Simone viraram pista de aeroporto.

As gralhas já comem sozinhas, mas não recusam um mimo.

Gostam de carinho e são extremamente curiosas.

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São amistosas e curiosas com as visitas.

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Juliano, filho do meu vizinho Marcelo, fez um novo amigo.

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Alegria e tristeza, a natureza seguiu o seu curso.

Caros amigos, há tempos que queria escrever sobre esse assunto mais faltou um pouco de coragem, pois ainda havia esperança de que elas voltassem. O inevitável aconteceu, meus amiguinhos voltaram a ser gralhas. Quando resolvemos adotá-las foi com a intenção de que quando ficassem fortes e aprendessem a voar, voltassem ao bando para seguir seu curso natural. Há tempos percebíamos algumas gralhas rodeando a casa, convidando nossas a amigas a partirem. Mas não imaginávamos que fosse tão cedo. Talvez tenham arranjados parceiros ou simplesmente perceberam que nós não somos da mesma espécie. Esperamos que elas estejam felizes com os novos amigos e que um dia possam nos visitar só para matar a saudade. Agora deixamos os cuidados com a Mãe Natureza e que o Espírito do Curupira possa protegê-las dos humanos mal intencionados.

Gardel Silveira, um curupira do sítio.
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A LENDA DA GRALHA AZUL

Era madrugada, o sol não demoraria a nascer e a gralha ainda estava acomodada no galho amigo onde dormira à noite, quando ouviu a batida aguda do machado e o gemido surdo do pinheiro. Lá estava o machadeiro golpeando a árvore para transformá-la em tábuas. Quantos anos levou a natureza para que o pinheiro atingisse aquele porte majestoso? E agora, em poucas horas, estaria estendido no solo, desgalhado e pronto para entrar na serraria do grotão. A gralha acordou assustada. As pancadas repetidas pareciam repercutir em seu coração. Num momento de desespero e agonia, partiu em vôo vertical, subindo cada vez mais. Subiu muito além das nuvens para não ouvir mais os estertores do pinheiro amigo. Já lá nas alturas, escutou uma voz cheia de ternura:

- Ainda bem que as aves se revoltam com as dores alheias.

A gralha ainda ouvia os golpes do machado e assim subiu ainda mais, na imensidão. Novamente a mesma voz a ela se dirigiu:

- Ah, bela ave! De hoje em diante, Eu a vestirei de azul, da cor deste céu e, ao voltar aos pinheirais, você vai ser minha ajudante, vai plantar os pinheiros. Volte avezinha bondosa, vai novamente para os pinheirais …O pinheiro é o símbolo da fraternidade, com seus braços abertos para todos. Ele dá um fruto que mata a fome no inverno. Ao comer o pinhão, tira-lhe primeiramente a cabeça, para depois, a bicadas, abrir-lhe a casca. Nunca esquece de, antes de terminar o seu repasto, enterrar alguns pinhões com a ponta para cima, já sem cabeça, para que a podridão não destrua o novo pinheiro que dali nascerá. Assim tu, ave amiga, irá plantar pinheiros e manter a vida com os pinheiros que vão nascendo. “Do pinheiro nasce a pinha, da pinha nasce o pinhão… “.

A gralha por uns instantes atingiu as alturas, parou no vôo e olhou-se. Que surpresa! Onde seus olhos conseguiam ver o seu próprio corpo, observou que estava toda azul. Um azul profundo, brilhante, lindo! Somente ao redor da cabeça, onde não enxergava, continuou preto. Sim preto, porque ela é um corvídeo. Ao ver a beleza de suas penas da cor do céu, compreendeu o que a voz disse e voltou feliz para os pinheirais. Tão alegre ficou que seu canto passou a ser um verdadeiro alarido que mais parece com vozes de crianças brincando.

A gralha azul voltou. Alegre e feliz iniciou seu trabalho de ajudante celeste: plantar pinheiros nas matas. E assim, o pinhão, esta semente que alegra as festas, onde o as pessoas compartilham a vida, histórias, alegrias, sempre acaba fazendo barulho, de vozes, de risos… É como um bando de gralhas azuis matracando nos galhos altaneiros dos pinheirais. E os pinheiros altivos mostra seus galhos como braços abertos, permanentemente acolhendo a todos que veem uma bela floresta de araucárias.

Fonte: Adaptado do Texto de Alceu Maynard Araújo

http://terrasdosul.pampasonline.com.br/lendas.htm

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Ficha Técnica

GRALHA-AZUL (Cyanocorax caeruleus)

A Gralha-azul é um membro da família dos Corvídeos, que são aves com ampla distribuição geográfica, que ocorrem principalmente em regiões de clima temperado. No Brasil, esta espécie é encontrada na área que atinge do Estado de São Paulo até o Rio Grande do Sul. É uma ave de médio porte (39 cm de comprimento) e de aspecto robusto. O corpo tem coloração azul reluzente; a cabeça, a garganta e o peito são negros, com as penas da fronte arrepiadas. Seus olhos são escuros. A coloração da plumagem é semelhante, tanto na fêmea como no macho. Habitante de florestas ocorre principalmente nas áreas de floresta com araucária. No Estado do Paraná, a Gralha-azul é oficialmente reconhecida como ave-símbolo, por intermédio da Lei número 7957, de novembro de 1984. Embora cientificamente não comprovado, muitas pessoas acreditam que a Gralha-azul “planta o pinhão” (semente do pinheiro). Na verdade, esta ave é considerada um agente dispersor em potencial das sementes do pinheiro. Durante a atividade de alimentação as gralhas transportam o pinhão de uma árvore para a outra, deixando muitas vezes cair a semente ao chão, a qual penetra no solo devido ao impacto da queda, vindo a germinar posteriormente. Entretanto, esta espécie de ave não é totalmente dependente das matas de araucária, apesar de suas relações com o pinheiro. Sua área de distribuição abrange também os domínios da Floresta Atlântica. Apesar de facilmente encontrada em sua área de ocorrência, a Gralha-azul leva hoje o status de vulnerável, principalmente devido à destruição de seu habitat natural. No Estado do Paraná, sua principal área de ocorrência atual, restam, hoje, cerca de 3% de sua cobertura vegetal original, reduzindo drasticamente as populações de Gralha-azul.

Foi observado um ninho em eucalipto a invasão freqüente de Ramphastos vitellinus (tucano de bico preto). A defesa do território pelas gralhas era imediata, embora conseguiam manter os intrusos afastados temporariamente.

Mapa de distribuição da Gralha Azul

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ROBERTO BÓÇON Biólogo – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMAPR

As Aves em Santa Catarina, Distribuição Geográfica e Meio Ambiente, Lenir Alda do Rosário.

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NÃO COMPRE ANIMAIS SILVESTRES! NÃO MANIPULE ANIMAIS SELVAGENS, VOCÊ PODE SE MACHUCAR OU MACHUCÁ-LOS!